Kono Sekai no Katasumi ni (2016) é o trágico no olhar inocente

Textinho novo.
Não se engane: esse filme é mais pesado do que aparenta. Alias, pelos desenhos pode remeter à algo fofinho e feliz - o que até certos momentos, ele até consegue ser. No entanto, ele toca num tema extremamente sério, relevante, e infelizmente, ainda atual: guerras. ''Kono Sekai no Katasumi Ni'' é fruto de seis anos de muita pesquisa histórica do diretor Katabuchi Sunao - que já fez uma parceria na equipe de roteiro do Hayao Miyazaki em Sherlock Hound, trabalhou posteriormente no Studio 4°C, e mais tarde na Madhouse. É um cara experiente com roteiros, inclusive, já ganhou vários prêmios reconhecendo alguns dos seus trabalhos. Porém, não é tão conhecido do público. Não é um Isao Takahata (no quesito, fama), embora traga a mesma sensibilidade em seu trabalho. Pelo longa, se percebe um cara que gosta de detalhes cotidianos, e perspectivas sob o olhar do personagem.

Baseado em um mangá de Fumiyo Kouno, ''Kono Sekai no Katasumi ni'' ou Neste Canto do Mundo'' foi lançado no ano passado no Japão, e conta a trajetória da garota Suzu, sobrevivendo ao terror de Hiroshima em Agosto de 1945. 

Essa foi o primeira dublagem em anime da atriz Nounen Rena

Mesmo que o filme tenha essa máscara bonitinha, há algo assustador acontecendo como pano de fundo. Aos poucos, vai ganhando notoriedade, até se tornar um monstro invisível. Sim, monstro invisível este que ninguém pode enxergar, afinal, Suzu e seus familiares não tem muita noção da mecânica que rege todo àquele sofrimento. Mas todos eles podem sentir às consequências do infortúnio.
























Quando pensamos em filmes com premissas parecidas, logo de imediato, lembramos do Tumulo dos Vagalumes e Gen Pés Descalços. Em ''Kono Sekai no Katasumi Ni'', existe mais sutileza e suavidade na hora de compor cenas tristes. Tudo é leve na maior parte do filme. Nem parece que estamos assistindo algo desumano. E isso não quer dizer que o diretor tenha mascarado à tristeza, em algo feliz. A intenção, nota-se claramente que não é essa. Na verdade, isso se deve porque se trata de um slice of life, e 70% da história mostra a interação entre eles; suas rotinas, costumes e tradições. Por conta disso, muita gente pode achar um filme morno e arrastado. Pois o conflito aparece como faíscas, e quando acontece a explosão, não vemos a urgência aterrorizante que veríamos em qualquer outra filme com temática semelhante. Mal se percebe a presença de sangue, carbonização, ou a decapitação de um membro do corpo.  Quando isso acontece, o diretor prefere não mostrar, e quando mostra é bem pouco no final. Confesso que foi um choque quando ele resolveu mostrar esse tipo de cena, apesar de estar implícito o que estava ocorrendo. Há pessoas que acharam até apelativo. Eu mesma cheguei à pensar de imediato. Porém, depois de refletir, reconheci que foi uma maneira que o diretor encontrou de chocar. Não nego que achei desnecessário, mas eu entendo seu ponto.   

Gosto bastante da inocência contida em cada personagem. Mais ainda; da narrativa oscilando em 1° pessoa algumas vezes. Estar mesmo que por alguns segundos na mente da protagonista, traz mais significado e reflexão ao que está acontecendo. Por exemplo, quando ela diz estar enxergando coelhos em cima do mar em sua pintura, ou quando enxerga no céu na hora do bombardeio, cores e tintas, transforma a cena em pura poesia. Tudo bem que mais tarde, o filme trata de tentar ''explicar'' sua poesia, fazendo isso se conectar com outra cena de alguma forma. Ainda sim, é válido e extremamente lindo.

Outro ponto para se estacar é a verossimilhança com a realidade. Cada um ali é um personagem vivo. Não porque isso de fato ocorreu, mas sim porque cada um sabe passar uma verdade através de gestos e ações. Um beijo escondido num abrigo desconfortável, um desmaio de sono e cansaço num momento de risco, ou até uma simples ''patada'' mal humorada de uma pessoa. São através desses detalhes que fazem a história ganhar fôlego e representatividade. Cada personagem ali é um pouco de mim e de você.

Como mostrar o lado doce do amargo? ''Kono Sekai no Katasumi ni'' sabe responder isso bem. Tirando o fato que havia dito anteriormente, esse filme mostra o trágico sob um olhar inocente. O que poderia ser motivo de constante choro, é motivo de sorriso. O que poderia ser motivo de derrota, é motivo de vitória. Eu poderia descrever o longa como uma tentativa de arrancar a bondade, fragilidade e inocência daquelas pessoas amáveis. É como se os personagens escolhessem olhar só para o lado positivo e otimista. Obvio que existem momentos de luto, dor profunda. Afinal, se trata de seres humanos. Porém, o que eles aprenderam com a criança é manter o riso no rosto, que ela mesma aprendeu com eles. Em uma cena, Suzu é confrontada com os guardas, se ela não seria uma espiã inimiga, por desenhar algo relacionado à eles. Depois que os guardas vão embora, todos caem na gargalhada pela suposição absurda. E a menininha também, sem entender nada, sorri. Pra mim, essa atitude simboliza todos eles. Mesmo sem entender o motivo e necessidade do conflito, eles sorriem. É bem verdade, que a guerra deixa marcas profundas, como a perda de um ente querido ou a metade do seu braço - que era o seu meio de fugir daquela realidade através do amor e da arte. Mas nada pode tirar a alegria de estar vivo mais um dia e a gratidão pelas pessoas que ainda têm e às coisas que ainda possui. Nada pode tirar o que de mais sagrado e humano alguém pode ter: a inocência.

É por isso que o filme tem essa aparência fofa. Com cores bonitas e traços simples. A animação casa bem com a proposta geral. O estúdio MAPPA não faz feio e quase me dá a sensação de ver um Ghibli, só que sem conflito. Pode soar irônico o que disse agora, visto que a obra tem um dos conflitos mais pesados. Mas como disse, a maior parte do tempo, não vemos uma ameaça real e assustadora, já que o monstro invisível chamado guerra cresce gradativamente e os personagens sempre veem o lado bom de tudo (vale ressaltar que não é de uma maneira irreal e exagerada, mas suave).

''Kono Sekai no Katasumi ni'' é um daqueles filmes que traz uma emoção singela. Uma lágrima em palavras. Mas que traz consigo sempre um brilho de esperança no olhar. Não é um filme feliz ou otimista ao extremo, porém carrega uma leveza e um sol no horizonte (metaforicamente falando). Cada cenário detalhado e ao mesmo tempo simplório, é quase que uma pintura. E os personagens são absurdamente puros. 


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