Interpretando os Sonhos de ''Dreams'' de Akira Kurasawa (1990)























Esse post deveria ter como subtítulo ''missão impossível''.

Se tem algo difícil na vida e ao mesmo tempo tentador, essa coisa seria: decifrar sonhos. E o desafio aumenta ainda quando se trata dos sonhos dos outros. Ainda mais em se tratando do fruto da imaginação de um ocidental, que possui uma cultura totalmente diferente da nossa. Como é o caso do gênio Akira Kurosawa.  Mas não deixa de ser curioso a tentativa. Afinal, acredito que tenha sido essa a intenção do filme. 

''Dreams'' é um filme de 1990, baseado nos sonhos do próprio cineasta, tido em momentos diferentes de sua vida. Ao total são 8 histórias diferentes, mas que no fim possuem a mesma finalidade: nos mostrar o quanto a vida é misteriosa e cheia de enigmas indecifráveis.

Ps: Esse post não busca dar a sentença de uma verdade absoluta, mas busca a interpretação deles. Por isso, alguns acontecimentos podem ter outros significados em outros pontos de vista. É um filme pra ser sentido, assim como num sonho ;)

Luz Através da Chuva

A primeira história é um tanto que perturbadora. Eu mesma me borrei de medo de certas situações, e acho que se fosse comigo, acordaria com a cama ensopada de mijo. AEHAUEHAUHE

O sonho é o seguinte. Há uma antiga lenda japonesa que diz que quando o sol está brilhando através da chuva, as raposas se casam. Neste primeiro sonho, um garoto desacata o desejo de uma mulher, possivelmente sua mãe, para permanecer em casa durante um dia com tal clima. Escondido atrás de uma árvore na floresta, ele é testemunha de um lento processo de matrimônio do kitsune. Infelizmente, ele é descoberto por uma raposa e foge. Quando ele tenta voltar para casa, a mesma mulher diz que a raposa tinha vindo até a casa e deixado uma espada curta. A mulher diz que isso significa que o garoto deve se suicidar porque as raposas estão bravas com o observador indesejado. Então, o garoto sai a caminho das montanhas para cumprir sua missão.

Como eu ia dizendo, é perturbador. Quem nunca sonhou que estava desobedecendo seus pais, e depois sentiu que nunca mais seria perdoado, certamente, não soube o que é ser criança. No caso aqui, o suicídio é mostrado como a sentença máxima pela a desobediência. E a gente sabe, quando somos crianças, tudo é levado ao extremo, e encarado com tamanho exagero. E aqui, isso está representado muito bem. Assim, como a pureza, e a sinceridade. A promessa do garoto para as raposas de cuidar da natureza soa de uma delicadeza enorme transmitido no tom de voz, e no olhar profundo do garoto. A cena é tão linda, que chega a assustar. Até porque, estamos se tratando de um sonho (E sonhos são assustadores, por mais que não se trate de um pesadelo). É extremamente sutil e inevitavelmente estranho, mostrada de uma forma contagiante. A música, como a dança, é de um surrealismo encantador. Eu diria que é um show aparte.
























A Horta de Pêssegos 

Na segunda história, acontece o Hinamatsuri, que é o Festival de Bonecas, que ocorre tradicionalmente na primavera, quando as flores das pessegueiras estão totalmente abertas. Dizem que as bonecas que são exibidas nessa época são representativas, simbolizando as pessegueiras e suas flores rosas. A família de um garoto, entretanto, corta seu jardim de pessegueiras, fazendo com que o garoto sinta um forte senso de perda durante o festival do ano. Depois de ter sido censurado por sua irmã mais velha, o garoto descobre uma menina saindo pela porta da frente. Ele a segue para o jardim, agora podado, onde as bonecas da coleção de sua irmã ganharam vida e estão paradas em frente a ele nos declives do antigo jardim. As bonecas repreendem o garoto por ter cortado as preciosas árvores, mas após perceberem o quanto ele amava as flores, elas concordam em dar a ele a oportunidade de um último olhar para as pessegueiras através de uma lenta e bela dança.

Continuando o clima ''folclórico'' do primeiro sonho, e contrariando o sentimento de culpa, aqui vemos o tormento de uma criança sendo condenada pelos erros de seus pais. Esse sonho é um grande espetáculo tanto de sentimentalismo como em cores e gestos. Sem esquecer as expressões do garoto. Temos também nesse sonho uma bela introdução do conto no universo das ''Maikos'', que são na realidade as aprendizes das gueixas.  























A Tempestade de Neve

Na terceira, “A Nevasca”, o líder de uma expedição, junto com seu grupo, se vê em meio a uma nevasca. Eles sucumbem a nevasca, mas repentinamente surge uma linda mulher que envolve o líder com uma echarpe prata. Ele percebe que ela é a morte, que se transforma em uma horrenda figura, então ele vê que está próximo do acampamento e tenta acordar os companheiros, mas não consegue. Ouve então, uma corneta, indicando que o acampamento está mais próximo do que imagina.

Esse sonho acredito que seja a representação da solidão, e do cansaço. Uma metáfora da incomunicabilidade. É o que acontece hoje no mundo moderno. O branco, o som do vento, contribuem para a sensação de estar perdido e completamente sozinho. Sem conseguir se comunicar com ninguém, além de que, todos os caminhos não levam a lugar nenhum. O esforço de um líder pela a sobrevivência. 























Outro Sonho 

No quarto, “O Túnel”, ao entrar em um o capitão de um exército é surpreendido por um cão, que ladra para ele. Atravessa então o túnel em curtos passos. Na saída ouve alguém a caminhar e depara com um dos seus soldados morto em combate, que pensa não estar morto.

Esse é um dos que mais me emocionaram. É uma homenagem aos mortos da guerra e os traumas de um sobrevivente. Ninguém sai da guerra como um herói, mas ferido emocionalmente, carregando pra sempre na lembrança a morte de pessoas queridas.






















Corvos 

No quinto conto, “Corvos”, um jovem pintor, ao observar as pinturas de Van Gogh, entra dentro dos quadros e se encontra com o pintor, que indaga por qual razão ele não está pintando se a paisagem é incrível, pois isto o motiva a pintar de forma frenética.

Quem nunca sonhou estar no mesmo universo que o seu ídolo? Pois é, nesse filme Akira mostra que já teve essa experiência.






















O Monte Fuji em Vermelho 

No sexto conto, “Monte Fuji em Vermelho”, o Fuji entra em erupção ao mesmo tempo ocorre um incêndio em uma usina nuclear, provocado por falha humana. É desprendida no ar uma nuvem de radiação. Um homem relata ser um dos responsáveis pela tragédia e diz preferir a morte rápida de um afogamento à lenta provocada pela radiação.

E pesadelos? quem nunca teve? A tragédia contada nesse, é muito simbólico. O terremoto atingindo usinas, e destruindo tudo e todos é de chorar de tão perturbador. 






















O Demônio Chorão 

No sétimo, “O Demônio Chorão”, ao caminhar um viajante encontra um demônio, que lamenta ter sido um homem ganancioso e, como muitos, transformou a terra em um lastimável depósito de resíduos venenosos.

Esse sonho é mais um para ser sentido, do que talvez interpretado. O que se dá a entender, além do óbvio de estar no mesmo ambiente que demônios (canibais), o sensação de ser pequeno  num universo de degradação, de ser sugado para o inferno.






















A Aldeia do Moinho de Água

No último, “Povoado dos Moinhos”, um viajante chega à um lugarejo conhecido por muitos como Povoado dos Moinhos. Lá não há energia elétrica e tampouco urbanização. Um idoso, ao ser indagado, relata que os inventos tornam as pessoas infelizes e que o importante para se ter uma boa vida é ser puro e ter água limpa.

É extremamente difícil interpretar sonhos, como disse no começo. Por isso, deixo à baixo o diálogo entre o idoso e o viajante que resume toda e qualquer interpretação.  

"As pessoas se acostumam demais com a comodidade, acreditam que é melhor, desprezam o que é realmente bom. Hoje em dia elas esqueceram que na verdade são somente parte da natureza, ainda assim a destroem, sendo que é dela que nossas vidas dependem. Sempre pensam que podem fazer algo melhor, especialmente os cientistas. Podem ser inteligentes, mas a maioria não compreende o coração da natureza. Inventam coisas que no final, tornam as pessoas infelizes e ainda se sentem orgulhosos de suas invenções. E o pior, é que a maioria das pessoas também se sente orgulhosa. Olham para as invenções como se fossem milagres, adoram-nas. Não sabem, mas estão acabando com a natureza. Não veem que vão morrer. As coisas mais importantes para os humanos são: o ar limpo, a água limpa, as árvores e a grama que os produzem. Tudo está ficando sujo, poluído para sempre. Estão sujando o ar, a água e o coração dos homens."























Curiosidades

São oito episódios, alguns sobre as experiências vividas pelos japoneses após a 2a Guerra Mundial, como O Túnel.

O trauma das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, por exemplo, é nítido nos episódios O Demônio Chorão e Monte Fuji em Vermelho.
Este último, apesar de tratar de um assunto pesado, tem belas imagens formadas pelas nuvens de radioatividade coloridas (O Amarelo do Estrônio 90, o violeta do Césio 137 e o vermelho do Plutônio 239).

O fascínio do diretor pelo pintor Vincent Van Gogh também está presente. É retratado em Corvos, no qual um homem, ao admirar um quadro do artista, é levado para dentro da obra.
Além de passear pelas pinturas do ídolo ao som da 9a sinfonia de Beethoven, recebe uma lição de pintura do holandês: só é capaz de pintar aquele se envolve com a natureza, que a admira e segue a beleza que ela tem a oferecer.

Outro capítulo marcante é Pomar de Pêssegos. Levado por uma estranha força ao local onde ficava o pomar de pêssegos de sua família, um garoto encontra o imperador japonês e seus súditos numa espécie de morro cortado em patamares - o que remete à tradicional hierarquia japonesa. Eles estão preparados para dançar e celebrar "O Dia da Boneca", ou seja, o florescimento dos pessegueiros, pois os bonecos representam os espíritos das árvores. Porém todas foram cortadas e não há mais o que celebrar. Acusado de egoísta pelo imperador, o garoto puro chora a morte das árvores. Como prova de comoção eles dançam uma calma e sincronizada dança. Nesse momento começa a chover pétalas de flores de pêssego e no local em que estavam as pessoas surgem lindas árvores floridas. 
(Fonte das curiosidades Webcine)

_________________________________________________________________________________

Se você ainda não curtiu a página da Nave Bebop no Facebook, e também ainda não segue no Twitter, aproveite o momento e faça essa caridade pra essa moça que vos escreve. Não se esqueça de me contar nos comentários as suas interpretações e sensações obtidas com o filme hein! Caso você não tenha visto, veja e volte aqui para me contar! Falooouu e até a próxima Cowboys!

Nenhum comentário:

Postar um comentário