Evangelion 3.0+1.0 - A Esperança: a (não) instrumentalidade do outro



O fim está aqui. Após 9 anos de espera, o ''Evangelion para acabar com todos os Eva'' está entre nós. Com problemas tanto na produção quanto na vida pessoal de Hideaki Anno, direitor do projeto, o último filme da franquia demorou quase uma década pra ver a luz, e assim, concluir de uma vez por todas a jornada de Shinji Ikari e seu pai, Gendoh Ikari. Contudo, o terceiro fim chegou e agora podemos dar adeus à Evangelion. Dito isto, neste texto, irei abordar o que, ao meu ver, é a linha principal do Evangelion 3.0 + 1.0 - A Esperança, o desenvolvimento da subjetividade de Gendoh e em como igual ao Shinji, Gendoh tanto recusa a relação com o ''outro'' quanto busca obsessivamente se conectar. Para tanto, irei traçar parelelos com outro personagem dominador e obstinado, que é invadido pelo 'outro', Paulo Honório do clássico da literatura brasileira, S. Bernardo, além disso, irei abordar um pouco a importância da língua enquanto mediação entre sujeito e o mundo. Venha conosco entender como esse novo filme Evangelion coloca uma nova luz sob seu antagonista enquanto nos mostra a importância de quebrar ciclos e superar relações tóxicas.



CONTERÁ SPOILERS 


 

Paulo Honório, protagonista do livro escrito por Graciliano Ramos, S. Bernardo, na metade do livro, começa a vagar pela sua casa de modo inconsequente, entre intermináveis passeios e absorto em seu próprio inconsciente, nosso protagonista lamenta a morte de sua amada. Esse momento, na narrativa, é uma quebra na objetividade feroz arrebatadora do nosso narrador. Anteriormente, Paulo Honório é de natureza inflexível e impassível, de postura estoica, ele não problematiza nem duvida de nada, muito menos hesita. Tudo o que importa é dirigir o mundo e colocá-lo sob seu controle. Desse modo, não existe espaço para subjetividade ou um lugar para reconhecer o outro além de sua utilidade. A mudança, contudo, ocorre quando conhece Madalena, e partir disso, tem seu ego, ou campo A.T., invadido, de modo que um personagem que tem sempre  as mãos o tempo e o espaço, começa perder a noção de uma realidade objetiva e colocado à revelia do mundo.


Igual ao intenso e controlador Paulo Honório, o dominador, obstinado, Gendoh Ikari é o principal agente na trama de Evangelion, em qualquer versão. Sempre à procura da instrumentalização humana, nosso antagonista anula, submete ou elimina a existência de quem quer seja; filho, namorada, amigos. Todos estão submetidos à visão utilitarista de Gendoh sobre a existência. Pouco se preocupa com o outro, mal vendo-o, ou, dizendo de outra maneira, vendo-o apenas em função de si mesmo; um meio para seus fins. Shinji é piloto. Rei é uma ferramenta, quase um adorno. Misato é sua serviçal, e por aí vai. Gendoh, com a sua personalidade austera e inflexível, reduz o outro para si, manipula a todos e os coloca rigorosamente nos encaixes que lhe são apropriados. 


Seu ego, porém, é atravessado e quebrado quando conhece Yui, que gradativamente retira Gendoh de seu mundo particular e solitário, e o coloca de frente à felicidade. A semelhança com o Honório acaba mais ou menos por ai, embora ambos tenham sofrido da morte prematura de sua amada; há uma diferença no que diz respeito à morte de Madalena, que  leva Paulo Honório ao desnorteamento e perda da sua qualidade dinâmica e dominadora; enquanto Gendoh entra numa missão obsessiva a fim de reaver sua amada, atiçando mais este lado dele.


E por qual razão falo de Gendoh ao iniciar a análise do último e definitivo Evangelion? O que ele tem a ver? Antes desse filme, muita coisa; agora, com A Esperança, tudo e mais.



O dilema do ouriço

Um dos conceitos centrais de Evangelion, e que reverberará em todas suas versões existentes, é o Dilema do Ouriço. Essa ideia entende que, dentro de um mundo gerido pela dor, as relações, sem exceções, subtendem o sofrimento como uma espécie de base natural dos vínculos entre as pessoas. Afinal de contas, pessoas diferem, e a partir dessas diferenças, há conflito e desencontros e isso levaria à dor. E se queremos evitá-la, devemos evitar de nos relacionarmos. Relação é dor. É angústia. Para tanto, criamos armaduras e mecanismos para escapar do outro; o outro é o mal, é o inferno. Fones de ouvidos, grosserias, friezas, tudo como uma forma de blindar e afastar formas de conexões.


Gendoh não é diferente. Com sua personalidade monolítica, Ikari não abre brecha através da qual o outro possa atingi-lo, invadi-lo. Por isso, os óculos, a bravata de frieza e austeridade; por isso os planos cinematográficos que constroem distância e a superioridade dele em relação aos outros, visto que a superioridade subentende distância, distância subentende não-relação, ausência. Com isso, Gendoh, parecido com Shinji, não sabe, e nem tenta, relacionar-se com o outro, pois enquanto indivíduos, que são inconstâncias, incongruências, não há a possibilidade de saber o que virá, se haverá dor, sofrimento ou perda.


Evangelion 3.0 + 1.0 - A Esperança como bem dito pelos trailers e posters promocionais, é o Eva para finalizar todos os Eva. A conclusão não apenas em um sentido narrativo, como também temático, metalinguístico e até pessoal, com isso, tenta amarrar todas as questões que fazem de Eva… Eva. Por isso, não vemos apenas uma conclusão linear de todos os filmes dos Rebuilds, mas também uma para o que é Evangelion como um todo.


Ao ter como cenário algum tempo depois do final do Você (Não) Pode Refazer, este filme inicia-se com uma batalha escarlate e excelentemente orquestrada, e também em tom de desespero, nossos personagens estão tentando restaurar o mundo recém-vermelho, ou parte dele. Como uma espécie de metáfora à corrupção, o vermelho, aqui, entra como uma imagem de uma sociedade devastada, e principalmente, ferida. Isto é, as palavras Segundo, Terceiro Impacto não são à toa, a Terra sofreu dessas escoriações e feridas, e dessa forma, o vermelho é uma lembrança de um dano, de uma tentativa de ruptura. Além disso, quase sempre ligado ao sangue, o vermelho também pode ser compreendido como uma imagem da mortalidade, do humano. E como Gendoh bem diz, o Quase Terceiro Impacto purificou a terra, isto é, lavou a influência dos deuses, o que podemos levar à possível interpretação de que, agora, o mundo é horrivelmente e corruptamente humano e não-humano, simultaneamente. Um mundo que é o mesmo, mas é diferente



As cicatrizes de um mundo 'purificado'

Esta primeira e curta parte, tem a essência caótica de Evangelion. Lutas megalomaníacas em contextos confusos; coreografias intensas; preparação para um climax; e caos. Eva é Caos. Após essa longa batalha, chegamos à parte na qual o filme toma seu tempo e desenvolve seus personagens: Asuka, Rei e Shinji. Colocando-os num vilarejo, todos eles são ‘’forçados’’ pela situação a se relacionarem e estarem num contexto sem regras ditas por comandantes ou à sombra de uma militarização infantil. Neste lugar, as crianças da profecia podem ser apenas... crianças. Dentro disso, temos um vilarejo com personagens antigos tentando sobreviver em um mundo pós-apocalíptico. A começar por como Shinji é desenvolvido, o primeiro destaque é que nosso protagonista fica por quase 40 minutos sem falar uma palavra sequer, muito menos comer ou fazer qualquer atividade por si mesmo; estando perdido e vivendo sob o trauma do filme anterior; nunca vimos um Shinji tão apático e catatônico assim. Para tanto, o filme constrói de forma orgânica e sutil, diversos planos nos quais Shinji quase sempre é colocado à parte do ambiente, sempre no canto ou no centro; a primeira indicando isolamento e a própria sensação do Ikari de não querer se vincular por não sentir que é merecido, à título de exemplo, sempre a andar longe quando esta junto com Rei e Asuka; a segunda, ao centro, e sempre em meio a paisagens vazias e esbranquiçadas, a solidão é posta em destaque. 


A quem acompanha Eva, e assistiu ao filme e a série, a questão do Shinji em relação às pessoas sempre foi o centro emocional e temático da Evangelion. A todo momento, o Shinji era colocado sobre relações conflituosas, abusivas e tóxicas, ora sob atitudes frias, ora sob agressividade. Além disso, tínhamos a questão da distância, a terceira criança sempre se mantinha longe de outras pessoas por medo da dor, dado que foi a partir do afastamento que ele foi ''criado'' por seu pai. Não é à toa um dos planos mais famosos de Eva ser justamente com Gendoh Ikari vendo seu piloto de longe, sem contar o contexto hierárquico de uma organização militar. Com isso, Shinji não interage com ninguém nessa vila comunitária e parte para ficar nos destroços da NERV. A rejeição, aliás, não se dá somente num plano de contato físico e emocional, mas ambém tem valor símbolo. Simbolicamente, as ruínas representam o passado. Além do mais, é interessante perceber que além da paleta de cores mais esbranquiçadas nesta parte, o que constrói uma ideia de memória, de algo imaterial, mas também de um lugar à parte. E se perceber, nas cenas deste lugar, há planos tanto de cima do edifício quanto de baixo, talvez, aqui, possamos inferir a questão da superioridade-inferioridade que regia as dinâmicas sociais da NERV. 


Shinji retorna ao passado, onde há uma organização estruturada a partir da hierarquia, que há sempre quem manda e quem obedece, isto é, ideia de superioridade e inferioridade, que têm a ideia de distanciamento. Acostumado com distâncias e relações verticais, Shinji se isola fisicamente e temporalmente num lugar inóspito, que representa o oposto de tudo que é aquele vilarejo, onde há comunhão entre as pessoas, compartilhamento e integração entre indivíduos.



As ruínas de um passado distante

Enquanto Shinji dá às costas para as interações, a Rei abraça. Vivendo entre os habitantes da Cidade 3, nossa sósia começa e perambular pela cidade, sobretudo, entre as pessoas; conhecendo amigos antigos do Shinji, descobrindo novas formas de vidas ultra complexas como os gatos e os bebês, e principalmente, descobrindo sobre o que é se relacionar com outro e como a língua nos auxilia nisso. De forma geral, a língua é um meio pelo qual nos comunicamos, seja para passar emoções ou pensamentos. Mas muito além disso, o nosso idioma estrutura e nos permite a capacidade de interagir com o mundo, e além, é capaz de ressignificar o mundo. A linguagem não é mera ferramenta, mas sim uma mediação entre o sujeito (e, entre sujeitos, guardem isso) e o mundo; entre a realidade e a cognição. Não é fotografia do mundo, ela mesma faz parte da construção do mundo. Categoriza o real; objetos, animais. Sem a língua, o mundo é caos, sem forma.


É uma breve explicação, afinal, há muitos teóricos se debruçando sobre o que é a língua e suas definições. Claro, não cabe a este texto sobre Eva explicar e detalhar todas as possibilidades. A partir daqui, podemos partir para outra ideia linguística, mais específica. Uma das ideias centrais do verbo é a da transitividade. Nas gramáticas tradicionais, os verbos podem ser transitivos direto ou indireto, intransitivo e intransitivos, tais ideias indicam o tipo de ligação de um determinado verbo. Os verbos transitivos diretos são caracterizados pela necessidade de complemento; verbos transitivos indiretos são semelhantes aos anteriores, também precisam de completamento, mas também exigem a presença de uma preposição; há ainda os verbos bitransitivos, que são simultaneamente diretos e indiretos; e por fim, os verbos intransitivos, que possuem sentido completo e não requerem trânsito de um termo da oração para outro, ou seja, não precisam de complemento.


No ponto de vista formalista (um resumo rápido: no formalismo, a língua é um sistema não-autonomo inserido em um contexto de interação social, ou seja, fazemos usos ou não de determinadas expressões, palavras a depender da nossa intenção e contexto), porém, há outras características acrescentadas ao conceito além do que já foi dito. Quando usamos um verbo transitivo, há um movimento, mas ele não é unilateral, isto é: o verbo engloba tanto o sujeito que efetua a ação quanto o objeto que a sofre. Dessa forma, quando entendemos que há esse compartilhamento, levamos em consideração sobre o que outro sabe, ou seja, a depender das informações acerca do sujeito, do objeto, podemos ou não ocultar determinado termo da oração. Beleza, mas e aí? O que diabos isso tem a ver? 


As palavras, elas têm ligação e movimento, ao escolhermos uma determinada palavra, assumimos o que o outro sabe ou não; assumimos uma ideia de compartilhamento, de correspondência, afinal, enquanto falamos, há um ouvinte. E aí surge o aprendizado linguístico da Ayanami no primeiro ato do filme. A personagem não apenas aprende uma palavra em um sentido tradicional e linguístico, como também o contexto onde aquela expressão é usada, e como se relaciona com quem diz. Palavras têm poder, e assim como expressões longas têm significações distintas e mais complexas, um simples verbo também tem.  


Como dito por Emicida em ‘’Yasuke’’, ‘’As pessoas são como as palavras // Só têm sentido se junto das outras’’. Em um contexto coletivo no qual dividimos experiências, temos uma relação de troca, convivemos com outros indivíduos, as palavras não são apenas construções sintáticas, mas também funcionam em relação ao ‘’outro’’. Como Ayanami aprende o que significa ‘’obrigado’’, não é somente uma palavra, é um signo de agradecimento, sobretudo, em relação a outrem.


Talvez seja dar uma de professor de literatura do colégio, mas.. Como dito, os verbos têm essa ideia de movimento, que engloba o sujeito da ponta do discurso com quem escuta. Isto é, aqui, observamos uma trânsito entre pessoas, o que é algo muito presente em Eva, principalmente, na constância da figura do trem. Trens, por si só, são objetos que definem muito a (pós) modernidade, sempre em trânsito e ligando pessoas a lugares, personificam um pouco essa ideia de passagem e de dinamismo. Enquanto figuras dinâmicas, os trens, também, são lugares de multidões, de indivíduos completamente desconhecidos vivendo num mesmo espaço. Com isso, se pensarmos, trens têm essa dimensão de ser um lugar no qual 'outros' completamente estranhos se misturam o tempo todo, sempre; ao passo que também permite unir pessoas que estão longe, distantes. Além disso, se analisarmos mais precisamente, o lugar no inconsciente do Shinji (ou, seja lá o que for...) é justamente um trem, porém, estagnado, parado... Sem a possibilidade para a passagem, para o movimento. (nessa ideia, num próximo texto, podemos analisar qual é a importância da praia em Evangelion, sem promessas aqui, mas a intenção existe)



Rei desbravando o mundo

Em seguida, após o término dessa primeira parte com a morte da sósia da Rei, chegamos ao segundo ato. Nesta parte, temos uma questão mais prática da trama; com explicações; personagens ali e acolá falando termos estranhos e finalmente os nossos heróis vão à guerra. Como esta parte é mais focada em ação e nos sci-fi da coisa, não cabe muito a sua explanação no texto, até porque, sinceramente, é a parte que menos me interessou no filme, e claro, a que menos diz respeito à análise. Dito isto, após toda a batalha, entramos no cerne do filme, o ‘conflito’ final da temática de todos os Evangelions, a relação entre pessoas, aqui, especificamente, de Shinji Ikari e seu pai, Gendoh. 


Após 26 anos de existência, de ciclos, descompassos, desencontrados e uma desenfreada busca pela felicidade e pela identidade e pelo ‘outro’, pai e filho; comandante e piloto; Shinji Ikari e Gendoh Ikari; e ‘’eu’’ e ‘’ele’’ finalmente estão cara a cara. Ao longo de toda a franquia, a seu modo distância e medroso, Shinji relacionou-se e confrontou diversos personagens, menos o seu pai. Dado que, como Paulo Honório, Gendoh tem aversão a um tipo particular de outro: o oposto. Como dito, estando em um extremo, em nível social, hierárquico e individual, para Gendoh, seu filho é indivíduo completamente distinto, totalmente incompreensível e estrangeiro. Enquanto adolescente, sendo por regra selvagem e inconstante, Shinji personifica aquilo que seu pai abomina e tem dificuldade de lidar. O mesmo para Shinji, seu pai, do alto do seu comando, com seus óculos e frieza, é um ser monolítico o qual não deixa nada ultrapassar ou transpor seu ego. 


Segundo Genette, um crítico literário francês, a poesia barroca tende a transformar toda diferença em oposição, toda oposição em simetria, e a simetria em identidade. Nos limites deste trajeto, o diferente torna-se idêntico, o outro torna-se o mesmo. A partir disso, há uma oposição entre Shinji e Gendoh, a diferença encabeçada por seus egos, por seus campos A.T., com esta dicotomia de seres, nasce a simetria. A simetria entre ambos que dá tom às suas próprias identidades. No mundo, tudo é diferente; é tudo a mesma coisa. 


Dito isto, postos sem conflito, tanto pai quanto filho estão em níveis e níveis de individualidade e ego; dentro de Evas, com lanças, atuando sob um palco (literal e figurativo). Contudo, como bem dizemos, as palavras comunicam e ressignificam nosso mundo, elas não apenas expressam os sentimentos e emoções, a língua estrutura-os. Tendo isso em mente, ambos percebem que a única maneira de lidar com as diferenças, com os traumas passados é partir do diálogo, criando tanto um lugar de escuta quanto de fala. Se ‘’obrigado’’ é quando queremos agradecer alguém pelo cuidado e/ou carinho, e um ‘boa noite’ é quando desejamos a alguém que durma bem, uma ‘’conversa’’ é quando estamos dispostos a ouvir e escutar o outro. Neste caso, não vamos simplesmente esperar a nossa vez numa interação conversacional, mas sim estar atento às necessidades e questões de quem fala.




A subjetividade de Gendoh sendo abordada

Portanto, precisamos ouvir o que Gendoh tem a dizer, Shinji precisa. Com as diferenças sendo compreendias e entendidas, com a identidade e a simetria, o outro torna-se o mesmo. Gendoh é Shinji e Shinji é Gendoh. Ambos usaram de artifícios, como a música, por exemplo, de modo a alienar-se do mundo, já que diferente das pessoas, uma melodia é precisa, corresponde ao que precisa corresponder, sem ruídos, sem dificuldades. Para tanto, ao se isolarem em uma realidade particular e pessoal, com medo de dor, o existir parece ser colocado em cheque. Como existimos sem o outro e sem estar em relação com o outro? Dentro disto, há a inevitável dor. Com a perda e a dor, Gendoh sentiu de verdade o que é a solidão, uma vez que esteve em companhia, em correspondência com alguém além de si mesmo. 


Dessa forma, pela primeira vez, a objetividade seca de Gendoh desaparece, o que dá lugar à subjetividade, um falar pessoal e íntimo sobre o que quer que se passe em sua cabeça. Ao compasso lento e gradativo, somos apresentados a um Gendoh despido e vulnerável, reconhecendo suas próprias fraquezas, incoerências e inconstâncias, sobretudo, reconhecendo o outro, seu filho.  O comandante da NERV finalmente abandona a ação e volta-se sobre si mesmo; abafando a objetividade, vai à memória encontrar sua amada e filho, o que é desnorteante para ele. 


O medo do 'outro'

Gendoh transita entre duas ideias. Primeiro, é necessário o apagamento do outro enquanto indivíduo; segundo, a invasão do outro é inevitavel. Nesse sentido, cria-se uma contínua entre apagar e juntar-se ao outro, uma passagem de um para outro, um causando o outro. Contudo, ao final, o apagamento do outro é colocado à margem, o mundo não precisa estar sob seu controle, muito menos as pessoas, ele reconhece a invasão e a erupção de outras pessoas. Como Rei, Gendoh, gradualmente, reconhece as palavras não apenas como construções sintáticas, mas também enquanto signos, dotados de significado e sentido amplo e complexo. Suas palavras ressoam e ressignificam o seu passado e presente à sua volta. Diferentemente de Paulo Honório, que mesmo invadido por Madalena e tendo um resquício de subjetividade, além de perceber que o outro também pode ‘’dominá-lo’’, ainda se faz intransponível e e mesmo que pense num futuro menos sob seu controle, ainda assim todos continuam em uma lógica de superior e inferior.


Como dito por Lukács, o romance é a história da busca de valores autênticos por um personagem problemático dentro de um universo vazio e degradado, no qual desapareceu a imanência do sentido à vida. Com a morte de sua amada, Gendoh é problemático e, logo, vai em busca de sua carência. A partir da ausência de Yui, o mundo não tem mais valor; tudo desgovernou-se e o significado de tudo lhe escapa. O mesmo trajeto, apesar das diferenças, pode ser observado por Shinji e sua infinita procura pela felicidade enquanto tenta lidar com a inevitável invasão do outro. No entanto, finalmente, o trem, em Eva, torna-se lugar de passagem e não apenas de estagnação, afinal, Gendoh


Ao final, Eva nos mostra o medo irracional de ser invadido pelo outro, e de como nos transformamos e nos guiamos a partir do medo da dor, criando máscaras e bravatas com a finalidade de nos alienar do mundo.  O mundo não é apenas um lugar objetivo e material, mas sim uma realidade particular e interior, cada qual dentro de seu universo particular. Embora estejamos fadados ao eterno ciclo da dor e do sofrimento, entre estas brechas da vida, há a possibilidade para o encontro, para o perdão e para abrir-se para o outro, enquanto se abre para si mesmo.



O fim definitivo de Gendoh Ikari

BIBLIOGRAFIA

FREIRE, Márcio. O mundo à revelia. Vértices, v. 7, n. 1, p. 115-128, 2010.


BUENO, Luís. A erupção do outro: São Bernardo. _______. Uma história do romance de, v. 30, p. 606-619.


OLIVEIRA, Luciano Amaral. Formalismo e funcionalismo: fatias da mesma torta. Sitientibus, Feira de Santana, n. 29, p. 95-104, 2003.


CUNHA, Maria Angélica Furtado. Transitividade e passiva. Revista de Estudos da Linguagem, v. 4, n. 1, p. 43-66, 1996.



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