Ashita no Joe: a representatividade que virou ícone


Que possamos ler cada vez mais histórias como as do Joe.

Em meados de 1968 à 1973, a revista Shonen Weekly Shonen Magazine da Kodansha, apostava na história de Ikki Kajiwara e nos desenhos de Tetsuya Chiba. Mais do que isso. Ela apostava na trajetória de um personagem que mais tarde se tornaria um ícone da cultura pop japonesa, simbolizando superação e persistência.

Joe Yabuki, é um jovem órfão, pobre, e rebelde. Certo dia, ele se esbarra com um bêbado velhote chamado Danpei, que no passado foi um grande lutador de boxe. Percebendo a marra e a força de Joe, Danpei tentará convencê-lo a se ingressar no mundo da luta. Em meio às dificuldades da vida, Joe passará por maus bocados até encontrar seu caminho.

Ashita no Joe surgiu no final da década de 60, onde o Japão passava por uma reviravolta social e econômica em sua cultura. Joe representava o herói trágico que lutava contra a classe baixa. A força de vontade dele era um semi-reflexo das pessoas que almejavam o mesmo.

Quase 45 anos depois, Ashita no Joe deixou o legado da rebeldia contra o sistema miserável e conturbado que imperava. Ele é a determinação em pessoa. Não é atoa que ele é lembrado ainda hoje como exemplo de força.


















O que eu mais gostei na leitura do mangá, é o quanto ele é ''pé no chão''. Joe é um cabeça dura, que faz tudo o que der na telha, sem se importar com consequências, assim como qualquer outro adolescente. De início ele procura o caminho mais fácil pra se dar bem em meio a pobreza e abandono. Mesmo que ele tenha conhecido o velho Danpei logo no começo do mangá, ele demora pra se convencer a se ingressar no mundo do boxe. Nesse tempo relativamente longo, Joe vai aprontar todas e vai parar na prisão juvenil. Antes de se tornar um personagem forte, tanto fisicamente como em personalidade, Joe vai apanhar muito do mundo. E é essa resistência que o faz vencedor. Aguentar essas porradas, é mais importante do que ser o cara que bate (Isso fica bastante evidente no final). Claro que, a vitória não cairá do céu apenas por suportar a dor. É necessário um longo tempo buscando técnicas, aprender novos socos, enfim, as regras que compõem a luta.

Nesse caminho de aprendizados, cada capítulo será pura diversão. A narrativa dele não é nenhum pouco didática, quadrada. Não é uma leitura cansativa, cheia de conceitos de boxe que você nunca ouviu falar. Também não se trata de um monólogo ensinando como dar o soco perfeito ou coisa do tipo. Você aprende junto com o personagem como tudo funciona, de um jeito bem humorado e natural. Algo que ajuda a manter essa naturalidade de maneira interessante, é justamente o relacionamento de Joe e o seu futuro treinador Danpei. É difícil quando o temperamento um do outro se conecta, porque grande parte da história é um refutando a atitude do outro. Nem sempre Joe está certo, e vice e versa. A relação que se constrói chega a ser quase de pai e filho. Existe briga e ao mesmo tempo existe preocupação.


É muito interessante como existe uma metalinguagem representativa até dentro da história. Se por um lado as pessoas daquela época viam em Joe um simbolo de garra e superação, no roteiro também existiu essa adoração perante ele. A favela de Tóquio, assim como posteriormente o país todo, apoiavam a trajetória de Joe pelo boxe, mesmo com todos os escândalos que assolava sua carreira. Isso porque se enxergavam nele. Joe foi um herói das ruas, que transmitia para as pessoas esperança de uma vida melhor. Ver isso mostrado dentro e fora do mangá, é inspirador.

Outra coisa bacana é ver a relação dele com as crianças daquela vila. Tudo bem que é mais no começo que eles interagem mais, ainda sim, todas as vezes em que apareciam, rendia cenas muito divertidas, ingênuas, inclusive dramáticas. O arco onde eles {SPOILER ALERT} recebem uma surra por parte de um oponente do Joe, foi de partir o coração. Foi um dos momentos mais tensos do mangá, junto com a morte do Rikishi. No mínimo chocante {FIM DO SPOILER}. Se tem uma coisa que mais gosto na história, é esse ar realista que possui. Você sente que eles são reais, humanos. Frágeis. O perigo é verdadeiro, e o pior acontece quando se menos se espera. É engraçado como esse tipo de história possibilita que nós leitores esperamos pelo pior -afinal, tem duas pessoas se matando feito dois galos na gaiola - porém, é no momento de calmaria que vem a tempestade. Qualquer semelhança com a nossa realidade, não é mera coincidência. É puro reflexo.


Uma das partes que mais gostei é quando Joe se dá conta que está apaixonado pelo boxe. O inicio do mangá fica bem claro que ele não quer que ninguém imponha nada para ele. No entanto, o gosto pelo esporte acontece de forma natural, e quase sem querer. Quando ele dialoga com ele mesmo em voz alta sobre como ele veio parar ali, afirmando suas razões por gostar do boxe, é carregada de significado. Poderia ser palavras dispositivas e desnecessárias talvez em outra historia, mas a forma como aconteceu trouxe o ''brilho'' que Ashita no Joe precisava naquele momento. Não se trata de um simples mangá de esporte, com rivais super fortes, personagens verossímeis, humor e drama andando de mãos dadas, e etc e tal. Se trata também de um retrato histórico de uma civilização, que inclusive, dialoga com o que estamos vivendo no Brasil ultimamente. Não podemos permitir que nossos tempos seja de completo pessimismo. Precisamos ter heróis. Talvez reais, talvez inventados. Mas precisamos ter espelhos que nos faça reconhecer nossos verdadeiros problemas/limitações, e consequentemente, deixar que o ''brilho'' nos mostre o caminho da superação.

E que esse brilho nunca se apague com as inúmeras porradas que a vida dá.



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