Será que é muito tarde pra falar desse anime? Ou estamos na hora certa até demais?
À primeira vista, esse anime pode parecer bem estranho. E de fato ele é. Conforme os episódios forem passando, você literalmente vai se familiarizando com a história. E quando se dá conta, já é um deles. Uchouten Kazoku é adaptação de uma novel escrita por Tomihiko Morimi, originalmente publicada em 2007. A primeira temporada foi lançada em 2013 , contendo 13 episódios, e foi dirigido pelo talentoso Masayuki Yoshihara (trabalhou com storyboard de clássicos como Ghost in the Shell: Stand Alone Complex, Eden of the East e Moribito, juntamente com episódios isolados de séries como Dragon Ball Z e filmes lendários como Jin-Roh - The Wolf Brigade) e foi roteirizado pelos Shōtarō Suga e Ryo Higaki. Esse ano de 2017, o anime voltou com mais 12 episódios pelo mesmo estúdio P.A.Works - que alias, fez um trabalho excepcional. Uchouten Kazoku também tem um mangá, também lançado em 2013, totalizando 4 volumes, com o roteiro de Tomohiko Morimi e os desenhos de Yu Okada e foi publicado pela Gentosha na demografia seinen. Por ora, me focarei apenas no anime.
A história se passa em Kyoto atual, e envolve uma família de tanuki, a família Shimogamo. Eles têm a capacidade de se transformar em qualquer coisa que desejem. Eles podem se transformar em membros normais da sociedade humana ou em qualquer objeto animado / inanimado. O terceiro filho, Yasaburō, gosta de uma vida quotidiana agitada. Ele freqüentemente visita o professor Akadama, um tengu e seu professor. Através de Akadama, Yasaburō conhece Benten, uma mulher humana a quem Akadama ensinou a voar como um tengu. À medida que a história se desenrola, os membros da família Shimogamo ainda estão lidando com o passado nebuloso que envolve a morte prematura do pai antes do início da série. Para complicar as coisas, Benten é membro de um grupo social chamado ''Amigos da Sexta-feira'', pessoas que gostam de uma refeição de potenciômetro de tanuki ao final do ano. A família Shimogamo deve equilibrar-se entre viver de forma descuidada, manter relacionamentos entre outras famílias de tanuki e não ser colocada em uma panela quente pelos ''Amigos da sexta-feira''.
Uchouten Kazoku ou Excentric Family como queira chamar, é uma mistura de Tatamy Galaxy (Obra de Masaaki Yuasa) com Pom Poko (de Isao Takahata, pelo selo Ghibli), só que mais ... como não poeria deixar de ser; excêntrico. A obra nos leva à lugares imersivos de Kyoto, e à diálogos que são labirintos. Claro, Uchouten Kazoku é um lindo anime entre relações entre tanuki e tengus se você quiser enxergar apenas o que está na superfície. Porém, se ele for visto com maior profundidade, poderá se enxergar nos personagens, ou lembrar de alguém da família que é parecido. Alias, falando em família, esse é o grande show da história. O modo como se relacionam e reagem às diferentes adversidades, reflete qualquer família atual. Obviamente, muito mais a japonesa, mas existem vários pontos que são universais ali.
Assistir essa série é como estar espiando a vida de alguém por um buraco cavado na parede. Você nunca vai ter a dimensão completa sobre o que está acontecendo, tudo o que descobrirá, será através de fragmentos de conversas, que muitas vezes, vem disfarçado de casual. Uma coisa vai se misturando com a outra, até que em determinado momento, elas se juntam. Por conta disso, é difícil ter uma afeição mais forte pela obra desde o seu início. Cada episódio é um processo de adaptação. Uchouten Kazoku definitivamente não é uma série convencional. Mesmo que mostre coisas que já foram exploradas por tantos outros animes, desde a mistura de algo folclórico com realidade, à design mega realista e atmosfera incrivelmente detalhada; o anime tem algo único, que nada mais é do que a narrativa dispersa. Isto é, com diferentes lados.
Não é sobre como o personagem principal lida com problemas ou coisa do tipo, mas sim, sobre como cada um se sente em relação à vida estranha e passageira que lhes é imposto. São essas as características que fazem a história ter uma linguagem mais humana do que nunca, considerada mundial e não apenas japonesa.
Há um clima de Zetsubou Sensei pairando no ar em Uchouten Kazoku, e não é só por causa que temos o mesmo cara responsável pelo design dos personagens, mas sim talvez pela atmosfera agridoce em que a novel de Tomihiko Morimi tece em cada cena. Não é atoa que ele é um cara que cresce cada vez mais na literatura japonesa, tendo até ganhado um prêmio na categoria literatura fantástica no Japão, o Nihon SF Taisho. Existe algo mágico, quase um ar de Ghibli pairando na história, mesmo que ele esteja com os pés no chão na maior parte do tempo - apesar de envolver mitologias e afins ali no meio. Nessa mistura homogenia, nasce um dos animes mais lindos por dentro e por fora, a beleza aqui não fica por conta só das aparências.
Já que falei em aparências, o estúdio P.A Works faz um trabalho excepcional levando em conta os recursos simples que utilizou. Há bastante caos, no meio da casualidade modesta. A animação tem uma elegância, seja na sonoplastia que dá espaço para às cigarras cantarem, seja na paleta de cores intensa escolhida, que dá mais ênfase na emoção do momento. Apesar da obra não ser fluída na maior parte do tempo - isto é, movimentada em todo instante - isso de maneira nenhuma se torna um problema na animação. Se tornou apenas uma característica. Uma marca. Não poderia deixar de comentar também, o detalhismo nos cenários. Seja através de uma parede descascada ou do reflexo das luzes nas poças d'água das ruas, Masayuki Yoshihara prova que é um excelente observador, e traz um realismo pra história que impressiona. É um trabalho quase que perfeccionista, minucioso. De longe, Uchouten Kazoku tem uma composição visual mais bem rebuscada que tive o prazer de assistir. Sem exageros, é impressionante o quanto cada detalhe faz total diferença e torna cada cena mais especial do que por si só, ela já é.
Desculpa pela quantidade de imagens que agora se segue, mas eu não resisti.
Cada personagem tem uma personalidade completamente distinta. Na grande maioria, cada um, possui particularidades estranhas. Eu diria que apenas um ali é o mais ''normalzinho'', mas, o que seria normal num mundo de anormalidades não é mesmo? De qualquer forma, é isso que os torna mais humanos do que nunca, apesar de suas transmutações pra lá de esquisitas. Existem personagens ali que continuaram sendo uma incógnita até o fim, já outros, estarão bem resolvidos. De fato, Uchouten Kazoku é um verdadeiro caos - no bom sentido. Ele não segue uma narrativa não-linear como em Durarara, porém, é tantos conflitos acontecendo juntos + a linguagem excêntrica, que fica fácil alguém se perder ou então esquecer de algumas coisas depois, principalmente no início, que é onde ainda estamos em fase de adaptação.
Inevitavelmente, prefiro a primeira temporada do que a segunda - embora, a continuação que tivemos nesse ano de 2017 não tenha decepcionado. Senti que faltou mais surpresas, tudo o que vi já era o esperado da série. Ainda sim, é totalmente válido ser assistido. Algumas lacunas que ficaram em aberto na primeira, são mais bem estabelecidos como o caso da personagem Benten. De qualquer forma, ambas se completam, mas eu estive mais emocionalmente envolvida na primeira temporada, principalmente quando descobrimos como o pai deles morreu. Gosto de como cada mini arco de personagem, são explorado juntos, em algo maior que está sendo dito. Esse anime realmente sabe fazer uma coisa interligar na outra. Ele faz uma conexão milagrosa, ter um propósito convincente.
Desculpa de novo, pela quantidade de imagens T.T
Uchouten Kazoku é uma obra perfeita pra assistir no Natal, não por ser sobre o assunto, mas por explorar tão bem a família, que é um dos pilares que rege essa comemoração religiosa. Estranhamente divertido, a obra soube pescar o que tinha de melhor e pior entre relações familiares e não-familiares. Sabe àquele tio chato que fica perguntando 'e as namoradinhas?' Seus priminhos que ficam mexendo aonde não é pra mexer, e toda àquela falsidade costumeira de fim de ano? Então. Uchouten Kazoku explora isso muito bem. Além de também mostrar aspectos positivos, como; proteger da maneira que for possível seu irmão de uma possível ameaça, tentar tirar do poço àquele seu familiar que está afundado em alguma coisa tóxica (No sentido emocional, físico e etc). Conviver com pessoas de diferentes raças e estilos, é uma tarefa difícil, que demanda bom senso e muita paciência/compreensão. Nem sempre receberemos reciprocidade, muitos tentarão nos colocar numa panela quente na primeira oportunidade que surgir, mas cabe à nós saber driblar esse nosso destino que é mais que certo. Afinal, temos sangue de tolo.
Antes que alguém por ventura pense: essa série não tem uma visão pessimista sobre relacionamentos e a vida. Na verdade, ela traz um sentimento bastante neutro quanto à isso. Nem sempre são flores e nem sempre são espinhos. Podemos não entender uma pessoa por completo, porém, não podemos condená-la só por ser uma incógnita aos nossos olhos.
A sensação que fica ao assistir Uchouten Kazoku é de estar em casa. Ele traz consigo uma particularidade pessoal sua, mas que também é universal. Alguns preferem resumir a série em ''conversas e mais conversas'', já eu prefiro dizer que está mais para espelhos. Dito isso, cuidado ao se olhar no vidro, tenha certeza de gostar do que encontrar ali.
Feliz Natal, terráqueos.
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