Alita: O Poder do Protagonismo



Quase 30 anos após sua criação na Terra do Sol Nascente, Alita ressurge mais imbatível do que nunca em uma impressionante superprodução de cinema. Neste texto – sem spoilers – convido vocês a um breve debate sobre o poder de seu protagonismo desde sua criação até os dias de hoje.

O mangá
A obra, anteriormente conhecida como Gunnm: Hyper Future Vision, e agora renomeada para Battle Angel Alita (Alita: Anjo de Combate na nova tradução cinematográfica brasileira) surgiu no começo dos anos 90, em meio ao forte contexto cyberpunk introduzido pela década anterior. O mangá estava apenas nascendo quando séries gráficas como Akira (Katsuhiro Otomo, 1982-1990) e Ghost in The Shell (Masamune Shirow, 1990)  já explodiam as mentes no ocidente, levantando questões éticas sobre máquinas e seres humanos, guerras e destruição desenfreada. Mas apesar da ambientação pós apocalíptica e tecnológica, ela difere muito na sua proposta.

Publicado no Brasil em 2017 pela editora JBC e compilado em 4 volumes, o clássico finalmente tornou-se acessível para boa parte do público brasileiro que mal havia nascido no começo dos anos 90 – tipo eu. A história retrata Alita, uma ciborgue que após ser resgatada pelo Dr. Ido em um lixão na Cidade da Sucata, recomeça a vida tentando recuperar suas memórias e descobrir o seu propósito em um ambiente altamente perigoso e devastado.

Ao contrário de seus “rivais” contemporâneos, a obra inicialmente não levanta dúvidas sobre nenhuma questão sociológica – apesar da ambientação estar rodeada de possíveis debates –, mas trabalha com uma questão igualmente forte: o autodescobrimento. Somos apresentados a dezenas de personagens interessantes e planos de fundos complexos, mas a cena é sempre roubada – e por direito – pelo drama pessoal de Alita. Com o foco da narrativa em seu protagonismo, tudo ao redor vai apenas se adaptando às suas vontades e conquistas.


Em meio a tantos grandes títulos famosos pelos seus protagonistas poderosos (Naruto, DBZ, My Hero Academia, etc), de personalidade cativante e que nunca sabem a hora de desistir, Alita poderia facilmente estar entre eles como uma das heroínas mais imbatíveis e corajosas do universo dos mangás, sacrificando todas as partes do seu corpo sem pensar duas vezes.

Dona de uma personalidade sincera e inocente, ela é sempre amada ou odiada. Uma mulher segura de si mesma e decidida ao extremo, chegando a impressionar e cativar eternamente qualquer testemunha de suas lutas. Ao poupar conversas desnecessárias e sermões moralistas com qualquer um, ela demonstra os seus ideais através da ação brutal. Uma personagem incrível que faz jus ao seu nome no título da história.

Entre 2000 e 2014 foi lançado uma sequência intitulada Battle Angel Alita: Last Order, que narra a continuação dos acontecimentos do mangá original, e explica mais sobre seu passado. Atualmente também é publicado pela editora JBC.

A animação
O OVA dirigido por Hiroshi Fukutomi foi produzido pela Mad House e lançado em 1993, e por obra do destino, foi o meu primeiro contato com uma animação japonesa em seu idioma original. E até hoje me lembro de ficar impressionado com aquele universo incrível e triste, mesmo sendo transmitido em uma TV de 14”. Reassisti recentemente e apesar de não ficar tão impressionado ainda consegui resgatar parte do sentimento que senti quando criança. Mesmo com pequenas mudanças, é uma boa adaptação, pecando um pouco em sua constante melancolia e ritmo lento – Blade Runner feelings. Apesar dos pesares, a nossa querida Alita está lá, poderosa como sempre.


O filme
Pegando muitas pessoas de surpresa, uma adaptação foi anunciada em 2003, mas somente em 2016 é que ficamos sabendo da grandiosidade milionária que ela seria. Assinada por nomes de peso como James Cameron (O Exterminador do Futuro, Avatar e Titanic) e Robert Rodriguez (Sin City e Pequenos Espiões), as expectativas já estavam altas, juntamente com o medo dos fãs depois da desastrosa adaptação hollywoodiana de Ghost In The Shell.

É um consenso, entre a comunidade fã da cultura pop japonesa, de que raramente uma adaptação live action não nipônica fica digna à obra original. Talvez pela nossa fervorosa proteção daquilo que aprendemos a amar, ou talvez pela prepotência dos grandes estúdios americanos que falham miseravelmente toda vez que tentam “interpretar à sua maneira” uma visão que parecem não compreender. Exemplos não nos faltam, porém, apesar de todo o receio cultivado, cá estou eu para dizer que: HOLLYWOOD ACERTOU, C@R@I!



Começando com um elenco igualmente de peso como, Christoph Waltz (Bastardos Inglórios e Django Livre), Jennifer Connelly (Requiem para um Sonho e Uma Mente Brilhante), Mahershala Ali (Moonlight e House of Cards), Rosa Salazar (American Horror Story: Murder House e Maze Runner: Prova de Fogo) e ainda, para surpresa de todos, Edward Norton (Clube da Luta e O Ilusionista). Ao que tudo indicava, não havia como ser ruim.

E apesar de tantos nomes grandes e atuações fantásticas, a superprodução consegue retratar fielmente a essência da personagem e sua obra. E mesmo que sua aparência – com os olhos grandes igual ao mangá – inicialmente causasse estranheza, logo nossos cérebros já estavam acostumados e nossos olhos voltados apenas para suas proezas. Parecendo até que a escolha deste visual tivesse sido uma grande e inteligente jogada de protagonismo. Destaque para a atuação de Rosa Salazar como Alita, que conseguiu fazer uma ciborgue parecer mais humana do que qualquer outro humano na tela.


O filme nos proporciona algumas das melhores cenas de ação com efeitos especiais dos últimos anos, alinhadas ao 3D – do qual não achei tãaaaooooo necessário, mas OK. O ritmo inicial pode parecer um pouco lento e causar desinteresse, mas é logo seguido de alguma cena com apelo sentimental ou luta, até que em certo ponto, depois de algumas explicações e apresentações necessárias, a película embala de vez.

Apesar do grande número de vilões e anti-heróis ao mesmo tempo na tela, não parece confuso, pois fica claro de que há um propósito diferente em cada uma de suas ações, não se sobrepondo em nenhum ponto. Os personagens secundários exercem papéis importantes – alguns diferentes do mangá – para o desenvolvimento de Alita, deixando claro sobre o que a obra se trata.


O cenário e a ambientação aparentam mais harmonicamente desenvolvidos, se compararmos as outras obras que nos apresentaram completa destruição e pobreza. Em alguns pontos até vemos áreas verdes e tranquilas longe da cidade, o que era impensável até então. Mas nada disso ofusca o verdadeiro propósito do filme, que por sorte, é o mesmo da animação e do mangá: o protagonismo.

E pelo seu protagonismo, eu quero dizer: a habilidade de ser o seu próprio destino, estar no controle, liderar, com ou sem a ajuda dos outros. Tudo e todos estão ali apenas para Alita. Desde sua introdução à sociedade com a ajuda de Hugo e do Dr. Ido, até as investidas dos vilões, tudo culmina para que ela evolua e se descubra. E através de seu desenvolvimento é que a história vai se moldando. Suas escolhas definem suas interações e suas interações definem o rumo dos acontecimentos, até que as consequências se juntam criando um gancho para o futuro.


Ao contrário do que foi dito por algumas críticas, o gancho para a continuação não deixou o final aberto demais. Pois, de fato, no fim fomos introduzidos a algo mais inalcançável do que ela imaginava, entretanto, o foco do filme nunca foi na descoberta disso, mas na sua jornada para o autodescobrimento, o seu propósito. Ela se descobre e se aceita, e só então, é que decide o que fazer a seguir, ou seja, um ciclo se fecha para depois recomeçar no seu próximo passo, dando espaço para a continuação.

E é isso que todos estão esperando. Uma continuação igualmente digna de uma obra forte, com uma personagem forte, que se sobressaiu dentre tantas outras, conquistando uma legião de fãs e tendo o foco principal em seu protagonismo absoluto.




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