Yojouhan Shinwa Taikei (The Tatami Galaxy): A solidão não ensina nada

Sob a guarda da nossa queridíssima Nave Bebop, sou o mais novo tripulante, podem me chamar de Severo, e tenho o prazer de fazer parte desse lindíssima e maravilhosa tripulação. Tentarei colaborar e compartilhar meus devaneios e pensamentos inquieto da forma mais interessante possível! Hoje irei analisar Tatami Galaxy e o que ele diz sobre solidão, e espero muito que gostem





Dirigido por Maasaki Yuasa, diretor de outras obras como o recente Devilman Crybaby da Netflix e do Ping Pong Animation, ambas adaptações de mangás criados respectivamente por Go Nagai e Taiyõ Matsumoto. The Tatami Galaxy, ou Yojouhan Shinwa Taikei lançado em 2010 pela Madhouse conta a história de Watashi ('eu' em japonês), um universitário qualquer em uma faculdade qualquer que se vê em meio a diversos clubes e grupos para participar, e a razão dessa participação do protagonista se dá pela sua vontade de viver uma vida cor-de-rosa, isto é, ter uma suma felicidade. Porém há algo peculiar: cada vez que ele faz alguma besteira em um clube que ele escolheu, o tempo retrocede para dois anos antes e assim ele escolhe outro clube. E a partir dessa premissa ala Feitiço do Tempo que embarcamos numa jornada de autoconhecimento, reflexão e principalmente sobre viver.



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Tatami é um anime íntimo, pessoal, introspectivo. Ele é sobre você, sobre mim, sobre nós. Sobre escolhas que fazemos, expectativas que temos, a vida que vivemos e a que queremos viver. Não é à toa que o 'nome' do protagonista é 'eu'. É um protagonista sem nome, em uma faculdade sem nome, e a partir disso podemos entrar facilmente em sua pele, ser seu rosto e ter seu coração e assim nos relacionamos pelas situações verossímeis e reais que ele passa. Ele, o ''eu'', você,  somos o protagonista e a alma do anime.

Watashi é um cara de expectativas. Sempre almejando uma vida perfeita, a todo custo tenta alcançar o êxtase da vida, aquele momento vindouro de felicidade, o amanhã em que vamos estar plenamente completos e satisfeitos. E para obter isso, ele vai em diversos clubes, tenta ao máximo achar A garota, estar numa situação confortável, estar realizado e principalmente: ser a versão idealizada de si mesmo. Nessa jornada Watashi conhece Ozu, o seu melhor-amigo-inimigo, um rapaz com uma expressão diabólica, sempre metendo nosso protagonista em encrenca, Watashi o vê como um demônio em sua vida, algo que sempre o trará para baixo, e a animação o trata assim, desprezível, asqueroso e sempre à espreita. Watashi também conhece Akashi, uma mulher estoica, sempre com olhos fixos e personalidade inicialmente cortante, a moça dos seus sonhos, a garota que está sempre em sua frente, porém o mesmo não cria um pingo de coragem em falar com ela. Além disso, o protagonista também conhece um Mestre com um queixo gigantesco aparentemente perdido na vida, uma moça atraente que perde a cabeça quando bêbada e um rapaz entregue à um amor ''proibido''.

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A partir da trilha do personagem, ele conhece essas incríveis pessoas, vive, experimenta cada aspecto da vida. Seja conflitos quanto ao seus desejos, questões de sexo e daquela vontade inerente e incontrolável; as amizades estranhas que encontra no caminho, com garotos estranhos que mal conhecemos; com dinheiro ou o amor à nossa porta que não tem coragem de alcançar. Vemos um Watashi 'cult' e com uma vontade imensurável de fazer cinema; um Watashi ladrão querendo apenas fazer dinheiro; um Watashi fazendo merda e sendo um cúpido às avessas.

Um fator interessante do personagem é velocidade com que ele narra a história, é um recurso interessante, é incessante, veloz. Afinal, os pensamentos costumam ser mais rápidos que a nossa própria fala, e várias vezes são pensamentos não contínuos, frívolos. A partir disso, nasce um personagem de excesso, ele pensa demais, ele cria expectativas demais. Todo instante entra seus pensamentos na narração, e é muita coisa, muitas possibilidades, e muito disso reflete na animação. Nas cores, na construção à parte da mente do personagem, como metáforas visuais, alegorias, tudo é uma recurso para manifestar o quão dispersa e irreal é a mente do protagonista. Imagens como ele no fundo do oceano com Ozu representando que estão sempre ligados e sempre estarão à margem do mundo; os devaneios meio loucos envolvendo a Akashi. Incrivelmente toda essa irrealidade da animação e esse uso incomum dela traz a gente mais perto para esse mundo, para o protagonista e suas relações. A ansiedade, os dilemas e como eles se configuram na trama e como a animação as representa ajuda a nos ver no personagem, de certo modo, vermos o quão aquela animação incomum e a narração rápida são identificáveis.

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(Quase) Todos os episódios são descompromissados, coloridos, com um viés 'abstrato' e sem forma delineiam uma visão de diversas cores sobre a vida, da plenitude da mesma. Porém nosso 'eu' parece enxergar apenas uma cor, a rosa, que em sua visão representa a felicidade suprema. Mesmo adentrando em cada aspecto da vida, conhecendo pessoas de diversos tipos (se perceberem, cada personagem tem consigo um tipo peculiar de cor e ao entrarem em cena trazem uma cor diferente para o ambiente), mas ele não percebe isso e sempre tenta reiniciar a fim de construir desesperadamente essa condição perfeita, absurdamente coerente e redondinha. Ele cai dentro de pretensões, de não-tentativas, de não agarrar oportunidades porque ele sempre vacila, sempre vai atrás de algo impecável. Nessa busca de algo inexplicavelmente inexistente nosso personagem não segue em frente, para nesses dois anos, e logo depois de perceber que nunca alcançará a dita perfeição, nosso 'eu' se fecha na resignação.

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A partir disso que embarcamos num vazio. As cores desaparecem. Os personagens desaparecem. Sobra apenas 'eu'. A variedade das cores e da abstração da animação dá vez para o preto e branco e algumas gravações mundanas, porém antes era ínfimo, usado uma vez ou outra, agora tornou-se presente, constante. Delineando o quão monocromático tornou-se a vida de nosso protagonista, a ausência das cores vivas e abundantes também denota como a vida de Watashi é inócua, sem os amigos, sem os vai-e-vem em sua casa. As bebedeiras, as saideiras, tudo o que fazia a vida do mesmo ser minimamente interessante, não existem mais.

Dentro de um quarto cinza, quase como um útero geometricamente feito para ele, fugindo da realidade insossa e aparentemente estéril, Watashi mergulha num estado de luto, tentando relembrar memórias, de coisas que nunca aconteceram, inerte e resignado perante sua situação, com monólogos consigo mesmo, aquela sensação de que, sem surpresas, nosso querido personagem percebe que ele não consegue queimar as pontas entre ele e o mundo, pois é tão pouca coisa. Num sonho lunático e errático de solidão, a animação traz uma sensação de solidão, da forma mais palpável e dolorosa possível. Em looping, em afazeres frívolos, na sensação de vazio existencial e até, emocional, além de entrarmos num passeio na mesmice do personagem, o que nos causa deveras estranheza, pois como algo tão alucinante, extasiante tornou-se... sorumbático, estático. Em um feeling Um Homem Que Dorme, em há um não-personagem, uma existência perambulando pela cidade, evitando amigos, cuja agência não há e parece entrar dentro de si mesmo, sofrendo e vivendo dentro da sua própria inação. Além de sempre dar a sensação que o personagem enlouqueceu, perdeu as rédeas da sua própria mente e vida.


 
















Analogamente ao homem que dorme, nós e o 'eu', nos encontramos em um estado de indiferença, de recusa. De inacessibilidade. Tão tragados pelo solidão, pela neutralidade, negando a vida, suas cores, coisas as quais um dia tiveram valor, hoje se mostram efêmeras, pequenas. A animação que destoava, hoje se coloca seca e plana; os tantos pensamentos rápidos, dão lugar à inaptidão de falar, o silêncio ou mesmo poucas palavras. Uma indiferença, sem começo meio ou fim, apenas imutável. O que reflete na direção, quase perfeccionista agora e dando uma sensação, paradoxalmente, confortável e incômoda. Afinal, cansa. As tentativas constantes, a busca imprudente pelo inalcançável, o fracasso constante, tudo chegou ao seu fim. Decepção. Cansaço. Não dá mais. O quarto do Watashi é vazio, um mundo a parte, onde o tempo não flui, impregnado de cotidiano, no entanto, o mesmo criou esse ambiente, uma decepção causada por suas próprias expectativas, sendo vítima das pretensões de sua mente. 

Porém, o tempo flui, o personagem não está morto, não enlouqueceu. Logo após os momentos enclausurado, e com a ajuda de si mesmo, ele compreende sua situação. A solidão não ensina nada, a indiferença não ensina nada. Watashi compreende que precisa parar de vagar por aí, preso num Tatami, ou melhor, numa filosofia de tamami, em que é encarcerado dentro de si próprio, de seu santuário, sempre cômodo, num lugar confortável buscando pela vida cor de rosa. Ele precisa aceitar a vida na sua forma, multicolor e falha. Não é a partir do isolamento, da solidão a qual ele se resigna, que ele irá aprender, viver. Mas sim com pessoas ao seu redor, dotadas de cores, histórias, medos, incertezas. Aceitar as decepções as quais podem vir, as tentativas que dão merda, ou simplesmente, observar a beleza em errar. Cometer os mais belos erros.

Há algo além do Tatami, Watashi pode entender e seguir em frente, apesar dos erros e acertos, com erros e acertos. Além de compartilhar seus momentos, apreciar cada amigo tão diferente e tão único que conheceu durante seu percurso, que encheu seu quarto, que lhe rendeu momentos os quais nunca seriam possíveis sem amigos, sem companhias. Com isso, 'eu', que procurei incessantemente por maneiras de viver e em minha mente falhei em cada uma delas, sem saber, senti meu-eu-cor-de-rosa sendo flagelado por uma realidade cheia de cor.

Em quarto, eu espero que vocês cometam erros. Se vocês estão cometendo erros, significa que vocês estão por aí fazendo algo. E os erros em si podem ser úteis. Uma vez escrevi Caroline errado, em uma carta, trocando o A e o O, e eu pensei, “Coraline parece um nome real…”


















Por fim, eu, percebo a importância de errar, falhar, ver a vida pelas suas falhas e plenitude. Além de que, é importante observar como o anime se coloca, contraditoriamente, como um anime episódico E linear, em que os episódios aleatórios se juntam numa narrativa maior. Faz sentido cada episódio ser tão único e fechado em si, afinal cada erro é um erro, cada dia é um dia, faz sentido eles fazerem sentido ao final. Ademais, gosto de pensar num paralelo entre esses dois últimos episódios de Tatami com Evangelion, enquanto os dois últimos de lá, Shinji parece terminar ainda dentro de sua própria mente, aqui, nosso personagem principalmente sai do seu santuário, encarando a realidade (talvez eu tenha deliberadamente ignorando The End of Evangelion com essa afirmação? Talvez).

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